Por Carla Furtado
Conheça quatro iniciativas que vão reciclar sua cabeça e mostrar que é possível lidar com o lixo de maneira ambiental e socialmente responsável
Mahatma Gandhi já disse e muitos internautas adoram compartilhar: “seja a mudança que você quer ver no mundo”. A teoria é ótima e a prática pode começar em algo muito mais básico do que se imagina: o lixo nosso de cada dia. Você já parou para pensar em qual é o destino de tudo que descarta? Esta dúvida tomou a mente de pessoas que perceberam que para mudar o mundo era preciso não apenas indagar, mas se responsabilizar justamente pelo o que produzimos e jogamos fora. E elas descobriram que, se organizar direitinho, todo lixo é bem aproveitado — ou nem mesmo criado!
Repensar a produção de lixo
Depois de assistir o documentário “Trashed — Para onde vai o nosso lixo”, Fernanda Cortez passou a reparar mais ao seu redor e se deu conta de um problema imenso, daqueles que é só olhar pros lados para identificar: os copos descartáveis. Foi só pesquisar um pouco para descobrir que no Brasil são consumidos 720 milhões desses copos por dia! Pode reparar: tem no escritório, nas recepções em geral, toda vez em que pedimos um café para viagem, sem contar as festinhas de criança, e por aí vai. Para cortar este mal pela raíz, Fernanda criou o movimento Menos 1 Lixo, que produz um copo retrátil, perfeito para carregar no dia a dia, que não ocupa espaço e é feito de plástico resistente a temperaturas quentes e frias e livre de BPA, metais pesados ou ftalatos (ou seja, plástico resistente e que não faz mal à saúde).
Fernanda Cortez com os copos retráteis do Menos 1 Lixo (Divulgação)
A ideia é carregar o copo na bolsa, fechadinho, e nunca mais precisar usar os copos descartáveis. “Na maioria das vezes as pessoas não vêem o lixo que geram, já que a todo momento alguém está sumindo com ele. Só que o lixo não some, ele apenas vai para outro lugar. E o planeta hoje não tem mais espaço para ‘sumir’ com a quantidade de lixo que produzimos. O copo do Menos 1 Lixo faz com que se tenha consciência, e a partir do momento que a temos, essa consciência se expande para todas as áreas da vida. Ele é de fato um agente de transformação de comportamento”, afirma a ativista.
Livrar-se do desperdício
É claro que nem todo lixo vai simplesmente sumir. E ainda bem! Na cozinha, por exemplo, todos aqueles restos de comida de todo dia podem ter um final feliz na compostagem, que é o método que transforma a mistura do lixo orgânico com folhas secas, serragem e microrganismos em adubo. Além de ser um ótimo tipo de fertilizante, natural e cíclico, produzi-lo é uma maneira de apoiar a agricultura orgânica. Pensando na dificuldade de manter viável esse processo no cotidiano atribulado da maioria das pessoas, Lucas Chiabi criou o Ciclo Orgânico, que faz coleta semanal de resíduos orgânicos no Rio de Janeiro — e de bicicleta, para não contribuir com o trânsito e a poluição!
A contratação do serviço funciona por meio de uma assinatura. O assinante adquire um baldinho com um saco de lixo biodegradável. Em troca, recebe uma muda de tempero ou opta por doar o composto para uma horta comunitária parceira do projeto. Já são mais de 350 famílias assinantes e por enquanto o Ciclo Orgânico só existe no Rio de Janeiro, mas existem outras iniciativas que surgiram inspiradas no negócio, como o Re-Ciclo em Porto Alegre, o Eco-Balde em Cuiabá, o Ciclo Limpo em Botucatu e o Compostando em Sorocaba.
Lucas Chiabi com o balde do Ciclo Orgânico (Divulgação)
Transformar o lixo em mudança social
Existe ainda aquele tipo de lixo que não pode ser levado aos aterros ou reaproveitado. Eletrônicos, por exemplo, precisam ser encaminhados para reciclagem adequada, por conterem mais de 60 tipos de metais pesados e substâncias tóxicas. Para lidar com esse problema, Ana Maria Luz e Araci Musolino fundaram o Instituto Gea. Com isso, descobriram uma oportunidade de promover mudanças sociais, dando cursos de capacitação para as cooperativas de reciclagem, nas quais a maioria dos trabalhadores são marginalizados.
“Acreditamos que o trabalho em cooperativas de catadores pode ser uma das únicas formas de inclusão social verdadeira no Brasil. Como os resíduos são gratuitos, e os cooperados são ‘donos’ do negócio, há chances enormes de crescimento de renda para pessoas que não teriam oportunidade em outro tipo de empreendimento. Já capacitamos mais de 500 catadores no Brasil para esse tema”, conta Ana, que hoje atua com o Instituto em 11 cidades brasileiras, através do financiamento do Fundo Socioambiental da Caixa Econômica Federal.
Capacitação de catadores de lixo com eletrônicos, feita pelo Instituto Gea, em Goiânia (Reprodução)
O incentivo social também está presente no TerraCycle, empresa multinacional que oferece coletas de outros tipos de resíduos que não podem ser reaproveitados, como gomas de mascar, embalagens laminadas e cigarros. As próprias empresas que produzem esses materiais investem no programa. Para engajar o consumidor a encaminhar corretamente este lixo, o TerraCycle computa em forma de pontos o lixo coletado por eles, e estes pontos são revertidos em reais que são destinados a uma instituição de caridade escolhida por quem encaminhou seu lixo.
A conscientização sobre o que e como descartamos gera uma mudança que não fica só no universo do lixo, garante quem batalha por essa causa. Para Fernanda, do Menos 1 Lixo, “a gente vê que vai voltando aos hábitos de antigamente, e que esses hábitos, além de reduzirem nossa pegada no mundo, humanizam, aproximam e mudam relações. Porque no final das contas o lixo é apenas a consequência da forma como nos relacionamos com a gente, com os outros e com o que chamamos de natureza!”
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