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Oga Mendonça: empatia e paciência contra o racismo

Por Marília Passos

No Brasil, o racismo é real, violento, diário e estrutural. Apesar de reconhecidos esforços como o ensino de História e Cultura da África nas escolas, o Estatuto da Igualdade Racial, e adoção de cotas raciais nas universidades, o país ainda falha em avanços práticos para que 54% de sua população seja representada no poder público, mídia, setor privado, e tenha os mesmo direitos que seus pares brancos na Saúde, Educação e Justiça, como observou o Grupo de Trabalho da ONU sobre Afrodescendentes.


Na luta por uma sociedade mais igualitária, na linha de frente ativista está Oga Mendonça, 37 anos, designer, videomaker e membro do Coletivo Sistema Negro, formado por produtores culturais, músicos, intelectuais, empreendedores e educadores negros, que cria espaços para esses artistas negros em eventos como a Virada Cultural de São Paulo, promove rodas de conversa com a população em iniciativas como o SPnaRua.


No Festival Path 2017, Oga levou sua década de militância para a mesa “Racismo virtual, consequências reais” e conversou com o Átomo sobre como continuar na militância é uma questão de sobrevivência: “Se eu deixar o mundo menos escroto, consigo sobreviver. Já que todo negro é um alvo”.


Quais são suas inspirações no ativismo contra o racismo?

Acho que as minhas inspirações vêm muito da minha vivência e da vivência dos meus pares. O fato de eu participar de um coletivo é muito interessante porque eu ouço o relato de um amigo, de uma amiga ou mesmo de gente que posta nas nossas páginas. Então aí você começa a receber várias perspectivas de problemas de vivências diferentes da sua. E aí você vai buscando nos seus arquivos. Num primeiro momento, por causa da minha leitura e da convivência, eu acho que muito das soluções brasileiras eram muito inspiradas nas soluções americanas. Hoje em dia eu começo a ver as soluções que a gente tem dentro de casa, que a gente criou. E por isso que eu também sempre busco essa coisa mais empírica mesmo de ouvir o outro, tentar entender a histórias inteira e buscar soluções.


Uso a lógica do respeito mesmo, não do bom senso. O bom senso, ele é variável. Agora o respeito, você enxergar outro ser humano… Não. E não tem um outro proceder para o negro. É como você gostaria de ser tratado. Na maioria das vezes, se você analisar o contexto e ter em mente que é outro ser humano, é mais fácil achar uma solução.


Você acha que as pessoas brancas estão melhorando a forma de entender as questões raciais?

Eu acho que elas estão começando a ficar preocupadas. E não quer dizer que isso seja uma melhora. Acho que as pessoas estão no primeiro momento que é o “existe esse problema”. Elas estão começando a passar pela não-negação, começando a superar essa fase, mas ainda acho que elas têm que parar de olhar para elas. O que a gente sempre vê é a pessoa partindo de um relato dela. Acho que isso é errado. A atenção está na relação, na atitude, mais do que no “eu sou, eu sofri”. A gente não está falando sobre ela e sim sobre atitudes dela.


Como é lidar com o racismo diariamente sem perder a ternura?

Não é que eu não perca ternura, às vezes eu vou perder também. Mas eu acho que tem várias formas de combater o racismo, e várias formas de entender. Eu uso a empatia, que é o eu gostaria que fizessem comigo. Quando eu vejo uma menina fazer uma pergunta de uma perspectiva muito pessoal, usando o último minuto de uma palestra e para falar dela, eu tento usar a empatia. Em algum momento, talvez eu, homem falando sobre feminismo, devo ter sido essa menina que está ali recebendo um monte de informação e querendo deixar muito claro “olha, eu tô aqui. eu não sou escrota”. Cara, se você está aqui, eu já entendi que você não é uma pessoa escrota. Então não dá para ter esse nível de entendimento. Eu entendo que tem dias que me incomoda muito. Tem dias que eu me calo. E tem dias que eu tento ser mais empático porque eu entendo que talvez essa pessoa nesse momento possa propagar essas boas ideias. Ela só vai ter a chance de trombar comigo talvez uma vez. E se ela me pegou uma vez nesse dia ruim, eu posso mandar uma mensagem que trave ela de procurar esse assunto em outras palestras. E isso eu acho terrível.


Você acha justa essa exigência de ternura e paciência para falar com as pessoas sobre racismo?

Não, não é justo. E acho que isso é um pouco da nossa discussão agora. Acho que tem duas frentes combativas. Tem gente que fala “Eu não vou falar de graça, eu não vou dar essa informação porque a pessoa tem essa informação disponível, ela pode dar um google, se ela realmente quer mudar”. Eu acho que tem gente que tem muito esse raciocínio. Respeito super! E tem gente que tem um perfil mais didático e que acho que talvez seja o meu, eu consigo ter esse didatismo. Consigo ser chamado para falar. Não sei por quanto tempo porque entendo que você fala muito a mesma coisa. Faz mais de 10 anos que falo quase a mesma coisa, então eu entendo que às vezes a pessoa cansa.


Já entendi que é uma questão de sobrevivência. Não dá para parar de nadar senão eu afundo e morro. Então por isso que continuo. Se eu deixar o mundo menos escroto, consigo sobreviver. Já que todo negro é um alvo.

Mas entendo quem não tem esse perfil, quem fala “Eu quero que se dane esse caras”. Eu entendo! Não é que eu concorde, mas entendo. Tô meio nessa busca aí. É um pensamento que vai evoluindo. Talvez no ano que vem, se você me entrevistar, talvez seja uma resposta um pouco mais mal humorada ou talvez mais positiva porque já vou ter aplicado algumas coisas e ter funcionado. O que percebo é isso, tem espaços em que acho que consegui fazer isso muito bem e consegui ter respostas muito positivas. Tipo o Mamilos, o podcast que eu participo. A gente fez dois programas sobre racismo, com presença de duas mulheres brancas, uma mulher negra, eu. E, cara, são programas extensos, mais de quatro horas de debate, e a resposta foi imensa, foi gigante. Numa plataforma que atende majoritariamente público branco. Então essas coisas dão uma esperancinha. Não acho que todo mundo saiu mudado, mas pelo menos por quatro horas da vida dessa pessoa, eu fiz ela prestar atenção na nossa causa. Acho que isso modifica!

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